O QUE FAZEMOS

A autora do blog é delegatária do registro público de Pessoas Naturais, de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas na Comarca de Içara/SC, desde 1993.

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terça-feira, 8 de novembro de 2011

Opinião (a pedido) - Habilitar ou não um casal homoafetivo?

Os Registradores Civis de Pessoas Naturais devem estar acompanhando as diversas situações criadas a partir da discussão mais intensa relativa à legalização das uniões entre pessoas do mesmo sexo. O que seria esta legalização? Obviamente, o que é legal é o que não é proibido e, em muitos casos é até descrito em normas legais a sua existência.

A partir da decisão do STF que, por unanimidade, equiparou as uniões entre pessoas do mesmo sexo às uniões entre pessoas de sexos diversos (união homoafetiva = união heteroafetiva), muito se alardeou a autorização para casamento entre estes casais que ficavam no limbo da proteção jurídica de direitos. Enquanto as normas administrativas vinham trazendo o reconhecimento de relacionamentos homoafetivos para efeito de direitos concedidos por Órgãos Públicos e também pelo setor privado (inclusão de dependentes na Previdência Social para benefícios; Declaração de Imposto de Renda conjunta ou inclusão de dependente na declaração; Planos de saúde, etc), o legislativo brasileiro estagnou, quando seu dever é estar em movimento para gestar normas que mantenham o ordenamento da sociedade e, assim, possamos conviver de acordo com os preceitos constitucionais de ordem e paz social. Não havendo normas específicas regulamentando situações verdadeiras, fáticas, existentes, portanto, que dizem respeito direto à harmonia entre as pessoas, pois as relações interpessoais íntimas tratam inicialmente de afeto, o judiciário começou a se pronunciar à medida que foi sendo provocado pelas pessoas que necessitavam e necessitam de amparo jurídico para que seus direitos sejam preservados. A lei se tornou inexpressiva e maléfica para as pessoas que começaram a vivenciar situações de afeto que não são ilegais (não estão proibidas), mas estão à margem das normas protetivas de direitos individuais. E, obviamente, quando se ferem direitos individuais, o coletivo começa a se desarmonizar.

O que o Supremo Tribunal Federal fez naquela decisão de equiparação de união homoafetiva à heteroafetiva foi decidir uma questão que estava chegando a ele e que não estava regulamentada em norma legal. Mas, os magistrados têm o dever de responder às demandas que lhes chegam, utilizando-se de leis, costumes, analogias e, acima de tudo, com o dever de fazer justiça. Assim, perante a inércia do Legislativo em criar regras específicas às situações de relacionamentos homoafetivos, assunto que foi levantado em 1995 pela então Deputada Federal Marta Suplicy e permanece apenas nos corredores, sem resposta à população, o Supremo Tribunal Federal, no seu dever de guardar a Constituição Federal, aplicou a interpretação com base nos direitos insculpidos naquela Carta e decidiu em face do que lhe foi apresentado. O STF, na ocasião, não autorizou o casamento homoafetivo, mas ele abriu as portas para que isso ocorresse. Não se estava julgando o direito ou não de pessoas do mesmo sexo casarem, mas de reconhecer direitos buscados desde 1995 e outros que as demandas sociais necessitavam em face dessas situações presentes no nosso meio social. Foi uma decisão que criou a ponte para o exercício de um direito até então concedido aos casais heteroafetivos. O reconhecimento da união homoafetiva como união estável proporcionou a busca da sua conversão em casamento, aí sim, com base em lei existente. Senão vejamos: o código civil admite a habilitação para casamento entre o homem e a mulher, óbice a duas mulheres ou dois homens. Mas, o mesmo código permite a conversão da união estável em casamento (ponto). Assim, casais homoafetivos, em decorrência da decisão do STF, não ficam autorizados pela lei a apresentarem-se perante o Registrador Civil para proceder à habilitação para casamento, a partir da simples vontade de se unirem. Mas, ficam autorizados a converter união pre-existente em casamento. E ninguém poderá obstar este segundo intento, sequer o registrador civil, eis que a decisão do STF foi vinculante, devendo ser tratado o agente público ou privado que dificultar a conversão como desobediente a uma ordem judicial. Por este motivo os juízes e Tribunais não podem mais negar a conversão de união homoafetiva em casamento. Assim, resta aos registradores civis promoverem as habilitações para casamento de pessoas do mesmo sexo, a partir da conversão de união pre-existente.

Agora, o que ocorre com a decisão do STJ?

A partir da decisão do STF ficou claro que a ponte foi criada, mas tentar chegar ao outro lado sem ser pela ponte continuou tendo óbice legal. Alguns magistrados verificaram que aquela ponte é o único caminho, pois ficaram adstritos ao legalismo ou às suas concepções pessoais que em breve podem ser consideradas preconceituosas. Seu livre convencimento o deixa livre para julgar impossível o casamento entre pessoas do mesmo sexo, enquanto a norma legal não for alterada, pois ela é clara ao dizer que o casamento ocorre entre o homem e a mulher. Ainda tem o conceito de família que na concepção tradicional só pode ser formada a partir da união do homem e da mulher, pois somente a união dos dois sexos pode gerar filhos e aí formar família. Outros magistrados, porém, vislumbrando a mudança que está ocorrendo e que pode haver um “aterro” para retirada da ponte, já permitem o casamento entre pessoas do mesmo sexo a partir da habilitação sem comprovação de união pre-existente. E os argumentos sobre o conceito de família partem para a formação da família com filhos oriundos de uniões heteroafetivas anteriores, adoção, inseminação, etc.

Nesta visão de mudança o Superior Tribunal de Justiça julgou recurso favorável a duas mulheres que tiveram sua habilitação para casamento negada no Rio Grande do Sul. A decisão do STJ não vincula as demais decisões a serem deflagradas em todo o território nacional a partir de sua edição, pois não foi unânime e nem obriga os demais magistrados a terem o mesmo entendimento. Entretanto, esse Tribunal Superior já sinalizou que à exemplo do STF, começa a compreender que o legislativo está omisso, a sociedade precisa estar protegida por direitos que cabem ao Estado garantir e, acima disso, que os direitos de igualdade, os direitos humanos e todos os outros buscados num Estado de Direito, estão acima de firulas jurídicas. E, assim, o judiciário acena para a conclusão de que em decorrência da não regulamentação da situação jurídica das relações homoafetivas, que poderiam estar regulamentadas distintamente das relações heteroafetivas, serão analogicamente a estas equiparadas; e, mais ainda, que a partir daí, a não equiparação passará a ser compreendida como discriminação, pois na Constituição Federal está bem norteada a liberdade de orientação sexual.

O que cabe ao Registrador Civil?

Em face do exposto, o Registrador Civil, tendo que atentar-se ao seu munus administrativo e legalista, deve promover de imediato as habilitações para casamento de pessoas do mesmo sexo, desde que apresentem prova escrita ou testemunhal de relação pre-existente. Em relação aos casos de inexistência de relação pre-existente, se não houver norma administrativa local (corregedoria permanente ou órgão judicial) que autorize a habilitação de imediato, o Registrador pode arriscar-se a promover a habilitação com cautelas de aviso aos interessados que o pedido pode ser negado, ou solicitar que recorram ao judicário para apresentarem a devida autorização.

Mas isto eu digo hoje, dia 08/11/2011, pois o assunto está tomando um dinamismo intenso e necessário, só não visto pelos legisladores.

Cristina Castelan Minatto - Oficial Registradora de Pessoas Naturais, Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas da Comarca de Içara/SC

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