Esta semana o juiz da 4ª Vara de Família e Sucessões de Manaus, Luís Cláudio Cabral Chaves, reconheceu a
união estável simultânea de um homem com duas mulheres, após a morte dele. Para o magistrado, a ideia
tradicional de família, para o Direito brasileiro, era aquela que se constituía pelos pais e filhos unidos por
um casamento, regulado pelo Estado. "A Constituição Federal de 1988 ampliou esse conceito, reconhecendo
como entidade familiar a união estável entre homem e mulher. O Direito passou a proteger todas as formas
de família, não apenas aquelas constituídas pelo casamento, o que significou uma grande evolução
na ordem jurídica brasileira, impulsionada pela própria realidade",
explicou.
Ele assegura que a mesma realidade impõe hoje discussão a respeito das famílias simultâneas.
"Deixar de reconhecê-las não fará com que deixem de existir. Não se pode permitir que em nome
da moral se ignore a ética, assim como que dogmas culturais e religiosos ocupem o lugar da
Justiça até porque o Estado brasileiro é laico, segundo a Constituição Federal", acrescentou.
A SUPERAÇÃO DO PRINCÍPIO DA MONOGAMIA
A jurisprudência nos Tribunais, segundo Luís Cláudio Cabral, quando analisa união estável paralela,
é variada e, de modo geral, "grande parte nega proteção com base no Direito de Família, no princípio
da monogamia, ou com base na mera diferenciação entre concubinato e união estável, gerada pela
simples presença de um impedimento matrimonial".
Mas há interpretações diferentes, como a apresentada pela advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente
do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), em sua obra Manual de Direitos das Famílias,
citada pelo juiz em sua sentença: "Cabe questionar o que fazer diante de vínculo de convivência
constituído independente da proibição legal, e que persistiu por muitos anos, de forma pública, contínua
e duradoura e, muitas vezes, com filhos. Negar-lhe existência, sob o fundamento da ausência de objetivo
de constituir família em face do impedimento, é atitude meramente punitiva a quem mantém relacionamentos
afastados do referendo estatal".
OUTROS PRINCÍPIOS PODEM SER INVOCADOS
Mesmo sendo uma prática comum em todo o Brasil, há, ainda, dificuldade de o Poder Judiciário lidar com
a existência de uniões estáveis paralelas ao casamento, ou seja, aquelas uniões extraconjugais que
formam famílias e que, por esse motivo, devem gerar efeitos patrimoniais e sucessórios. Devido
a razões de ordem moral e do princípio da monogamia, segundo Rodrigo da Cunha Pereira, presidente
do IBDFAM, tais uniões são, na maioria das vezes, invisíveis aos olhos da Justiça.
Para o presidente do IBDFAM, toda a organização jurídica brasileira e ocidental tem a monogamia
como base de organização da família, que funciona como um ponto chave das conexões morais.
Entretanto, quando uma família paralela à outra acontece, não há como negar esta realidade.
“Se ela existe, não podemos simplesmente ignorá-la, sob pena de continuar repetindo as
injustiças históricas de exclusão de pessoas e categorias do laço social”, enfatiza.
Rodrigo da Cunha observa que, pelos princípios da dignidade da pessoa humana, da responsabilidade,
da pluralidade das formas de família, conjugados ou confrontados com o da monogamia em
cada caso concreto, acabam por autorizar atribuição e distribuição de direitos às famílias simultâneas.
Ou seja, em casos de união estável paralela ao casamento devem ser atribuídos direitos à família
paralela, dividindo-se a pensão e o patrimônio, como efeitos patrimoniais, em caso de dissolução
de união, bem como sucessórios, em caso de falecimento, beneficiando a esposa, a companheira
e os filhos existentes das duas uniões.
*Com informações da Diretoria de Comunicação do Tribunal de Justiça do Amazonas (Tjam)